terça-feira, 3 de abril de 2012

CASAS BURI

9 de novembro de 1994
O milagre de amansar o Leão
Uma lista da Receita mostra que os ricos declaram que ganham pouco e pagam de imposto quatro vezes menos do que deveriam

Daniela Mendes, de Brasília

Há no Brasil um milionário para cada grupo de 326.000 cidadãos. São apenas 460 pessoas, menos que a platéia do Canecão em noite de Roberto Carlos. Para entrar nessa seleção é preciso ter um patrimônio pessoal mínimo de 19 milhões de dólares. O patrimônio médio dos sócios do clube fica na faixa de 58 milhões de dólares. No topo da lista está Moyse Safra, um dos donos do banco que leva seu sobrenome, com um patrimônio de 764 milhões de dólares. Espalhado pelo país inteiro, preservando-se no anonimato ou animando colunas sociais, esse pessoal nunca foi reunido numa fotografia. Jamais passou junto um fim de semana. Para juntar essas pessoas, foi necessária a ajuda da Receita Federal.

Em março deste ano, de olho em grandes sonegadores, a Receita colocou de pé um plano vip chamado Programa das Grandes Fortunas. Por meio de seus computadores, relacionou todos os contribuintes que, ao longo de 1992, movimentaram pelo menos 1 milhão de dólares em seus rendimentos. Tecnicamente, quem movimenta 1 milhão de dólares é um milionário. Nos computadores da Receita, apareceram 36.000 contribuintes fazendo jus ao título de milionário. O Fisco queria mais, queria chegar ao topo. Cruzando outros dados, conferindo rendimentos e prestando atenção a números ainda mais graúdos, chegou-se à lista dos 460 mais-mais do país. Ao lado do nome e CPF, nessa lista constam, sobre cada um, o patrimônio, a renda declarada, o volume de imposto pago na fonte e o rendimento não tributável, entre outras informações.

PIB URUGUAIO - Na semana passada, VEJA teve acesso a uma parte da lista dos 460 milionários. O que se vê é de assustar. A lista mostra que, em 1992, cada um dos membros do clube dos 460 embolsou em média oitenta vezes mais que um cidadão de classe média, mas pagou apenas onze vezes mais imposto. Juntos, eles detêm um patrimônio avaliado em 26,7 bilhões de dólares, maior que a soma dos PIBs do Uruguai, Paraguai e Bolívia. Ou 6% do PIB brasileiro. Selecionando-se o topo do topo, isto é, os cinqüenta mais ricos entre os 460, descobre-se que a fortuna deles, somada, roça os 12 bilhões de dólares. Examinando quanto pagam de imposto, descobre-se que deixaram uma ninharia para o Leão: apenas 32,5 milhões de dólares. Enquanto a classe média paga 1 real de imposto para cada 10 reais de patrimônio, o clube dos 460 recolhe apenas 1 real para cada 821 de patrimônio. É quase uma provocação. A Receita não imagina que devessem pagar na mesma proporção que a classe média. Mas ficaria muito satisfeita se os super-ricos recolhessem pelo menos quatro vezes mais do que hoje em dia.

Os números analisados pelo Fisco referem-se a uma parte relativamente modesta do total de impostos arrecadados pela União. Eles dizem respeito às pessoas físicas, responsáveis por 15,2% dos 85,5 bilhões de dólares que a União deve receber de impostos em 1994. Só a Previdência responde por 27,6% do total (veja gráfico abaixo). O grosso da sonegação, desconfia a Receita, não está na fatia das pessoas físicas. Está nas empresas que não recolhem à Previdência e ao PIS, que burlam a Cofins, que não pagam o IPI. Os 460 contribuintes do listão da Receita respondem por 0,25% do total do quinhão do Leão. Num cálculo conservador, a Receita estima que os 460 maiorais deveriam responder por 1% do total dos impostos: é de 1% em 1% que o Leão encheria o papo. Conseguir esse 1%, porém, é tarefa para um batalhão de Leões. Seria preciso esmiuçar declaração por declaração, fazer diligências, chamar os 460 a prestar explicações. E as declarações de renda deles não são feitas como as nossas, que efetuamos os cálculos sozinhos, recorremos a um contador amigo - geralmente o primo do vizinho da cunhada. As dos 460 são feitas por especialistas em tributação.

"ESCÂNDALO" - "Tecnicamente, na maioria dos casos, a declaração não é errada, mas é um escândalo o que pagam em relação ao patrimônio", diz o gerente de tributos da Trevisan & Associados, Rubens Antônio Ribeiro, referindo-se aos números da Receita que VEJA conseguiu. "Eles chegam a desafiar o Fisco de maneira acintosa com os números apresentados nas suas declarações", diz José Alves da Fonseca, coordenador de arrecadação da Receita. Da listagem, quatro em cada dez dos 460 endinheirados declararam à Receita ter uma renda média mensal de 1.500 dólares. Um em cada quinze teve mais coragem e disse ganhar 2.000 dólares por mês. De cada oito, um aumentou o patrimônio sem explicação lógica. Em metade desses casos, o aumento patrimonial foi superior a 1 milhão de dólares. Também ocorreu o contrário. O contribuinte cinco estrelas recebeu uma bolada no ano de 1992, mas não comprou quase nada e ninguém, além dele e seu contador, sabe onde foi parar o dinheiro. Trezentos milionários declararam à Receita que seus patrimônios não renderam 1 centavo.

"De maneira geral", conclui o estudo da Receita, "verificou-se que os rendimentos recebidos pelos 460 contribuintes eram de valor compatível com os percebidos pelas pessoas de classe média." A Receita encontrou motivos para suspeitar da declaração de um de cada seis milionários e, desde maio, despachou cartas padrão convocando-os a dar explicações. Houve quem, pelo excesso de suspeitas, recebesse os seis tipos existentes de carta, um para cada irregularidade.

Parte do material, relacionando dezoito nomes, foi entregue ao deputado federal José Genoíno (PT-SP) por um técnico da Receita do Rio de Janeiro. Logo depois das eleições, Genoíno disse ao presidente da Comissão de Economia da Câmara, Miro Teixeira (PDT-RJ), que receberia uma lista com o imposto dos tubarões. Na quinta-feira, de posse dos documentos, telefonou para Miro e, no dia seguinte, os dois viajaram para Brasília. Genoíno fez a entrega formal dos papéis a Miro e este despachou cópias para o senador Ronan Tito (PMDB-MG), presidente da CPI da evasão fiscal, e para a presidência da Câmara dos Deputados, acompanhadas de um requerimento de informações à Receita Federal. "Não cabe a mim emitir juízo de valor, mas não podia deixar de encaminhar tais documentos sob pena de cometer omissão grave", escreveu Genoíno no documento que encabeçava os papéis. "Enquanto os tubarões não pagarem imposto, não se pode pensar em solução para o problema social brasileiro", diz Miro. "A realidade do Rio de Janeiro, onde moram alguns desses tubarões, exige investimentos que o governo federal não produz por conta da sonegação."

Há casos surpreendentes, como o do empresário capixaba Camilo Cola, dono da empresa de ônibus Itapemirim. Ainda que seja dono de um patrimônio de 154 milhões de dólares, os números da Receita indicam uma renda mensal de 7.000. Como seu patrimônio aumentou em 54.000 dólares de 1991 para 1992, só sobraram 2.500 por mês para tocar a vida. É difícil que tenha conseguido. O deputado federal eleito Wigberto Tartuce (PTB-DF), cujo patrimônio é de 19 milhões de dólares, pagou apenas 2.100 dólares de imposto, menos do que um engenheiro iniciante que trabalha em sua construtora. O investidor Mário Slerca Júnior, por sua vez, ganhou 5,4 milhões de dólares no mercado financeiro, mas seu patrimônio só cresceu 170.000. "Baseado no que eu via na declaração de bens dessa gente, acho que deveriam se credenciar a receber uma cesta básica do Betinho", diz o ex-secretário da Receita Osiris Lopes Filho, que idealizou o trabalho.

É evidente que um empresário do porte de Cecílio do Rego Almeida não pode manter seu padrão de vida com um rendimento mensal de 8.000 dólares. Ou que um empresário como Olavo Monteiro de Carvalho, com uma renda mensal declarada de 35.000 dólares, ou mais que 1.000 dólares por dia, deveria dar um pouco mais ao Leão. "Concordo que deveria pagar mais, mas não posso fazer nada diante de uma legislação falha em relação às grandes fortunas", diz Monteiro de Carvalho, um dos poucos a reconhecer que paga pouco. No empresariado, a grita contra os impostos é geral. A postura disseminada é que, com tantos impostos, é quase inviável tocar as empresas. Engano.

A prova está na lista da Receita: Silvio Santos. O dono do SBT saiu do nada, foi camelô, radialista, apresentador da Globo e construiu um império. O grupo Silvio Santos, com 26 empresas e 5.000 funcionários, faturou 215 milhões de dólares em 1991. O SBT, também de Silvio Santos, com 74 emissoras e 1.800 funcionários, teve um faturamento de 54,4 milhões de dólares. Pois Silvio Santos pagou mais de 6 milhões de dólares em 1992. Sua declaração de renda foi esmiuçada pela Receita, que a considerou um primor de correção. Silvio Santos é a pessoa física que mais paga imposto no país, apesar de não ser a mais rica (veja quadro à pág. 107). "A filosofia do Silvio é fazer tudo absolutamente dentro da lei", diz Luis Sandoval, diretor do grupo e responsável pela declaração de renda do empresário. "Podemos ser chamados de bobos por não usarmos alguns artifícios legais, mas preferimos pagar tudo direitinho", completa Sandoval, que não viu nenhum problema em apresentar a VEJA a declaração de renda de Silvio Santos e corrigir os dados que constam na lista da Receita. Os irmãos Moyse e Joseph Safra, em anos anteriores, também foram campeões no pagamento de impostos. A pergunta, inescapável, é a seguinte: se Silvio Santos e os Safra pagam impostos de renda astronômicos e ficam cada vez mais ricos, por que outros milionários usam toda sorte de artifício para escapar do Leão?

PARLAMENTARES E JOGADORES - O Grandes Fortunas é um dos programas iniciados por Osiris Silva com o objetivo de gerar mais Silvios Santos. Faz parte desse programa uma lista com os catorze maiores banqueiros do país. Outra investiga os 300 donos de iates que ou omitiram ter o bem ou declararam ganhos insuficientes para comprá-los. Há outros programas que estudam os parlamentares brasileiros e jogadores de futebol. Quem já viu o levantamento sobre o imposto de renda de 1992 dos deputados e senadores diz que é muito, mas muito mais escandaloso do que o dos empresários. Entre outros parlamentares, três estão na mira do Fisco. São eles os deputados Paulo Octávio (PRN-DF), Flávio Rocha (PL-RN) e Sérgio Naya (PP-MG). O trabalho sobre os jogadores de futebol já concluiu que apenas quarenta atletas sonegaram 6 milhões de dólares em 1992. Os três programas integram a chamada Operação Vip.

A esmagadora maioria dos 36.000 listados pela Receita vive por conta da empresa através dos chamados fringe benefits, expressão chique para os privilégios dos donos das empresas e seus executivos. Um alto executivo brasileiro vai a Nova York com a família em viagem de férias, hospeda-se num hotel cinco estrelas, janta nos melhores restaurantes e paga as contas com o cartão de crédito que a empresa lhe dá. Quando volta ao Brasil, entrega as notas fiscais à secretária e o material é anexado às despesas dedutíveis do imposto de renda. Em seguida, vai ao dentista, a mulher comparece ao ginecologista e os filhos voltam à escola. Resolve também fazer um curso de alemão preparando-se para a próxima viagem à Europa. Ao final do mês, repete a operação. Entrega as notas fiscais à secretária e tudo vira despesa da empresa.

Se o executivo recebesse no contracheque o dinheiro gasto no parágrafo anterior, pagaria muito mais de imposto de renda, e a empresa teria de recolher outro tanto ao INSS. Além disso, sem aquelas despesas, a empresa teria um lucro maior e, portanto, também pagaria mais imposto de renda. Da forma como funciona hoje, as duas partes ficam dispensadas de parte da carga tributária. A Previdência e a Receita Federal, por sua vez, perdem com isso 60 centavos a cada vez que uma empresa gasta 1 real de fringe. "O dono da empresa abate seu aluguel, seu carro, sua criadagem, o chofer e quando precisa de 50.000 reais para dar um presente à amante pede ao contador, que arruma uma nota fiscal de despesa", diz o ex-secretário Osiris Silva. "Como ele controla a empresa, pode pintar e bordar."

DOAÇÕES - A sucessão de truques tem amparo na legislação, o que permite ao clube dos 460 viver longe do mundo do pequeno sonegador de classe média, que manipula recibos de médicos, dentistas ou declara como dependentes pessoas que não são da família. O clube dos 460 joga mais pesado. Boa parte deles descarrega rendimentos na rubrica "rendimentos não tributáveis". Ou seja, doações, heranças e bonificações na forma de ações de uma empresa. Chamou a atenção da Receita um alto índice de doações que alguns empresários disseram ter recebido de terceiros. Os técnicos não entenderam como um megaempresário tem a coragem de declarar ter recebido doações. Fuçando, descobriram um caso absurdo. Um empresário disse ter recebido da empresa dividendos no valor de 10 milhões de dólares. A Receita foi checar na empresa e não havia registro do pagamento. Nos Estados Unidos, a herança só é isenta de impostos até o teto de 1 milhão de dólares. Acima disso, 55% da herança vai para o Fisco. O pessoal de cima chia, mas o legislador teve como objetivo evitar a formação de uma casta de herdeiros multimilionários.

No Brasil, há quem se enrole na bandeira da economia liberal para falar mal da carga tributária brasileira e reclamar da Receita. Em dezembro de 1992, a Fiesp procurou o presidente Itamar Franco e pediu tolerância com os colegas que tinham imposto atrasado. Em fevereiro deste ano, liderados por Carlos Eduardo Moreira Ferreira, presidente da entidade, um grupo de empresários fez uma manifestação em São Paulo contra o aumento dos impostos e queimou livros fiscais. Gostam de dizer que não dá para trabalhar com 58 impostos, mas sabem que isso é mais que discutível. Os impostos que importam são apenas nove, um deles o IPMF, que acaba em dezembro deste ano. Entre os outros estão a taxa que se paga para tirar passaporte e a taxa de classificação de produtos vegetais, por exemplo, que arrecada menos de 2 reais por mês no país todo. Ou o imposto territorial rural pago pelos fazendeiros, que, no país inteiro, não chega a recolher 30 milhões de reais por ano.

O estudo do coordenador da Receita, José Alves da Fonseca, mostra que, para cada real arrecadado de PIS, 30 centavos deixam de ser recolhidos. No IPI, deixam de entrar 60 centavos a cada real que viaja para Brasília. No caso do imposto de renda das empresas, a relação é de 1,40 para cada real arrecadado. Uma olhadela sobre o que ocorreu nas três semanas em que se cobrou IPMF no final do ano passado é suficiente para constatar que há fortunas rendendo dividendos sem gerar impostos. Segundo a Receita, o contribuinte que mais movimentou dinheiro por suas contas declarou-se isento do imposto de renda. De cada dez contribuintes que movimentaram 1 milhão de dólares em suas contas correntes, quatro só haviam procurado a Receita uma vez - para tirar o CPF. O maior proprietário de terras do país, Pedro Aparecido Dotto, dono de 2,1 milhões de hectares no Acre, área equivalente a um país como El Salvador, paga tanto imposto quanto um metalúrgico do ABC.

A BUTIQUE DELA - Em abril deste ano, a socialite Letícia Monteiro de Carvalho, neta de Joaquim Monteiro de Carvalho, prima de Lilibeth, a ex-mulher de Fernando Collor, foi multada depois que resolveu abrir uma butique em área residencial do Rio de Janeiro, sem pagar imposto, sem licença ou alvará. Ao ser aberta, a butique Sozzia ganhou festa no casarão da família em Santa Tereza, mas fechou as portas depois do comportamento de camelô adotado pela dona. Também tiveram butiques fechadas Cristina McCortney, neta do dono do Banco Nacional, Magalhães Pinto, e Ana Lúcia França, mulher de Hélio França, gigante do comércio exterior. Tiveram de encerrar o negócio ao pensar que nota fiscal e livro de contabilidade eram coisas de gentinha. Em Búzios, a modelo Luiza Brunet foi multada em 140.000 dólares porque sua butique preferia guardar as notas fiscais na gaveta em vez de emiti-las. Reclamou de perseguição. De fato, ao procurá-la a Receita perseguia sonegação.

No Brasil, se os grandes empresários pagam pouco imposto, os pequenos quase não pagam. Para ter uma idéia, as 30.000 maiores empresas do país, e há mais de 2 milhões em solo nacional, são responsáveis pelo recolhimento de 89% do IOF, 82% do IPI e 76% do IRPJ. Na média, essas 30.000 empresas pagam 74% dos impostos federais. Somente as 370 maiores pagam 50% da Cofins e as 160 maiores, 50% do IRPJ. O grau de sonegação entre as pequenas e médias é tamanho que, em 2.609 municípios brasileiros, a arrecadação global da Receita é de 10.000 reais.

A experiência ensina que não se pode esperar que o contribuinte resolva pagar seus impostos porque acredita no Estado. É preciso ir buscar. Com 25.000 fiscais, sendo 2.500 de uma tropa de elite, com o Fisco americano ninguém brinca. Num dos casos mais recentes, o Leão americano leiloou uma fazenda com campo de golfe e outras 22 propriedades do cantor de música country Willie Nelson. O cantor deixara de pagar 32 milhões de dólares em impostos sobre suas propriedades. O caso mais notório é o da milionária Leona Helmsley, dona do edifício Empire State e de uma cadeia de hotéis. Em 1992, Leona foi condenada a quatro anos de cadeia e a pagar uma multa de 7 milhões de dólares depois que usou 4 milhões das empresas na reforma de uma casa de campo e disse à camareira que "pagar imposto era coisa de pobre".

ATRÁS DAS GRADES - Em 1993, 3.000 americanos foram a julgamento nos Estados Unidos devido a alguma violação do código tributário, 2.200 foram parar na cadeia. Na Itália, o imposto passou a ser levado mais a sério depois que a atriz Sophia Loren foi presa em Nápoles por evasão fiscal. Na Alemanha, não há crime que mande alguém mais rápido para a cadeia do que a sonegação. Com alíquotas altas, variando de 20% a 55% (no Brasil variam de 15% a 35%), qualquer riqueza visível é imediatamente taxada. Lá, basta o fiscal usar alguns argumentos sólidos junto a um promotor e, em poucas horas, consegue uma autorização para investigar. Em menos de um dia o Fisco tem um quadro completo de todas as movimentações bancárias do suspeito nos últimos dois anos.

Em geral, a Receita não consegue mandar para a cadeia quem sonega imposto de renda. Com outros tributos, é menos raro. Em julho do ano passado, os irmãos Celso, Célio e Sullivan Covre foram pegos pela Receita em Brasília por sonegar PIS, Finsocial e reter o imposto de renda descontado dos funcionários da Atacadista Santa Terezinha. Devem 2 milhões de dólares e terão seus bens leiloados para cobrir a dívida. Em abril deste ano, o empresário Hayao Kawasaki, sócio de uma importadora em Ribeirão Preto, também foi parar atrás das grades por sonegação do IPI. Em Joinville, Luiz Batschauer, diretor-presidente da Cipla, empresa de tubos e conexões, também viu o sol nascer quadrado. A Cipla recolheu todos os impostos devidos, mas não os repassou à Receita e à Previdência. Segundo a Procuradoria da República no Estado, os débitos da Cipla ultrapassam 50 milhões de dólares. Todos já foram soltos.

Quando é apanhado pela Receita, o contribuinte é informado de que está sob investigação e se vê obrigado a fornecer todas as informações solicitadas, tais como contas de telefone, extratos de contas correntes, despesas com cartões de crédito, documentos de compra e venda de imóveis, carros e barcos. Tem de agüentar uma dupla de fiscais por até seis meses perguntando, perguntando, perguntando - até que toma a multa. Um grande empresário paulista, dono de uma rede nacional de supermercados passou a tomar Lexotan depois de ter sido pego pelo Leão. Noutro caso, o sonegador em potencial chorou e apelou para a compaixão dos fiscais. A iniciativa, contudo, rende frutos. Depois de terem mandado as cartas para os empresários reclamando do imposto de renda de 1992, os técnicos da Receita constataram que os destinatários das correspondências entregaram as declarações de 1994, referentes a 1993, com pagamentos mais generosos. Em alguns casos, o recolhimento de impostos cresceu até 60%.

SIMBA - O Leão brasileiro é manso diante de hienas astutas porque é pequeno e doce como Simba, o filhote órfão do desenho animado Rei Leão. Com 5.500 fiscais, dos quais 2.000 cuidam do controle aduaneiro, a Receita brasileira é uma máquina pequena e precária. São quatro vezes menos fiscais que os Estados Unidos, dez vezes menos do que o Canadá e dezoito vezes menos que a Inglaterra. Só no porto de Hamburgo, na Alemanha, há mais fiscais do que em todo o território brasileiro. Um dos concursos para a contratação de 2.000 fiscais abertos pela Receita recentemente acabou embargado por suspeitas de maracutaias. O resultado é que a carga tributária brasileira equivale a 25% do PIB. Nos Estados Unidos a carga é de 30%, na Grã-Bretanha, de 39%, e, na França, 44,2%. Como Simba, o Leão brasileiro teria de receber muito mais verbas, computadores e autoridade para poder transformar-se em Mufasa, o leãozaço do desenho dos estúdios de Walt Disney. Essa transformação depende, em muito, da vontade política do presidente em arrecadar mais, comprando brigas com os sonegadores.

Outra diferença entre o Brasil e os países evoluídos na fiscalização é que, aqui, a burocracia faz com que o andamento dos processos seja emperrado e jogue a favor do sonegador. Na esfera administrativa do Ministério da Fazenda, um processo pode levar até oito anos. Só então é mandado para a Procuradoria Geral da República, onde manda Aristides Junqueira. Cerca de 120.000 processos estão em andamento na instância administrativa, referentes a pessoas físicas e jurídicas. Representam uma dívida de 30 bilhões de dólares. Nem o novo presidente, Fernando Henrique Cardoso, deve ver a cor desse dinheiro até o final de seu mandato. "Mesmo que encontre a fraude, o sonegador tem um longo caminho e muitas possibilidades de se safar de um processo", diz o ex-secretário da Receita Antonio Carlos Monteiro, antecessor de Osiris no cargo.

MUAMBA E PC - A última vez que os brasileiros prestaram atenção à Receita fora do período de entrega da declaração foi na muamba do tetra. No desfile alegórico, o secretário Osires Lopes Filho exigiu que a bagagem fosse revistada, acabou esnobado pelos escrúpulos de Rubens Ricupero e perdeu o posto. Osiris só não se tornou um morto-vivo por causa da indignação com o privilégio oferecido aos tetracampeões do mundo. Mas a simples cronologia de sua queda informa que ele poderia estar predestinado a ser expelido da Receita. Osiris vinha sendo alvejado no cargo desde que resolveu deslanchar o Programa Grandes Fortunas, que deu início a murmúrios que logo se transformaram em gritarias para desmoralizá-lo. Na semana passada, ocorreu um lance nos bastidores da Receita que merece talvez mais atenção do que as bugigangas do Galeão. O sucessor de Osires, Sálvio Medeiros Costa, decidiu demitir a delegada Rosa Soares Defensor, titular da delegacia da Zona Sul de São Paulo.

Rosa Soares Defensor, até a semana passada, trabalhava num prédio nas vizinhanças da Avenida Paulista e comandava a fiscalização sobre vinte integrantes do clube dos 460, entre eles Abilio Diniz. Sua demissão já foi levada ao ministro Ciro Gomes, que a aprovou e espera apenas a assinatura do secretário executivo do ministério, Clóvis Carvalho. Ciro Gomes refere-se ao episódio como "apenas" uma troca de funcionário. "Não é problema meu", diz, como se fosse o ministro da Educação e não o da Fazenda, ministério ao qual a Receita está subordinada.

Na sexta-feira, a cúpula da Receita tinha outro problema para administrar. Um caso de corrupção, envolvendo um coordenador de fiscalização e dois fiscais no Rio de Janeiro. Existe uma fita em que os três teriam conversado sobre dinheiro, e a suspeita é de que seja uma prova de que recebiam propinas. Nos últimos meses, Itamar assinou a demissão de dez fiscais corruptos. É ótimo que o governo se preocupe em livrar-se de maus funcionários, que fraudam o contribuinte e desmoralizam o Leão. Mas há que reconhecer que chegou a hora de olhar de perto os sonegadores. Quando o assunto é imposto de renda, a sonegação só tem um preso no Brasil de hoje. É ele mesmo, PC Farias. Se for preciso promover um impeachment de presidente toda vez que se tornar necessário colocar um sonegador de imposto de renda na cadeia, é porque existe uma vasta estrutura disposta a evitar o aumento da arrecadação. o


O rei da noite


Em 1992, o empresário Olacyr de Moraes, da empreiteira Constran, do banco Itamarati e o maior produtor individual de soja do mundo, pagou 114.756 dólares ao Leão. Ele mesmo faz questão de mostrar suas contas, que informam que sua principal fonte de renda pessoal são dividendos gerados por suas 42 empresas. Sobre 1 milhão de dólares em dividendos que recebeu foram recolhidos 8% de imposto de renda. Antes de remunerar seu proprietário, as empresas pagaram um imposto sobre o lucro, de 40%. Se em vez de dividendos ele ganhasse salários, o IR seria de 25% e não de 8%. "Há dois anos fazia uma retirada de 120.000 dólares mensais. Para uma pessoa como eu, na minha idade, vivendo sozinho, é mais do que suficiente." Olacyr separou-se da mulher em 1992 e, a partir de então, trocou o título de rei da soja pelo de rei da noite. De lá para cá, vive cercado de mulheres bonitas. Viaja bastante, freqüenta festas animadas e mantém a forma em pistas de dança. "Com as mulheres gasto o equivalente a um trator por mês", disse certa vez. Um trator médio custa 35.000 dólares. Para quem tem cacife para gastar 4.000 dólares por dia, não chega a ser um absurdo.

Patrimônio: 52 milhões de dólares em 1992. Caiu 1.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 120.000 dólares
Imposto pago no ano: 120.000 dólares



Nota 10


O empresário Silvio Santos é um herói da Receita. Segundo sua declaração de imposto de renda, em 1992, pagou 6,6 milhões de dólares ao Fisco, quantia que o colocou em primeiro lugar na lista dos grandes contribuintes. É uma bolada só comparável a seu rendimento anual como pessoa física, mais de 20 milhões de dólares. A renda de Silvio Santos não vem de dividendos dos seus negócios. Através de contratos, Silvio recebe pelos serviços que presta às suas empresas. Na TV, recebe como apresentador do programa de domingo. No Baú da Felicidade e na Liderança, a remuneração de um divulgador.

Silvio Santos foi investigado pela Receita em 1992 em função de um acidente nos negócios. Ele vendeu a TV Corcovado para o empresário paranaense José Carlos Martinez, dono da Rede OM de Televisão. Parte do pagamento foi feita com um cheque fantasma do esquema PC, e por essa razão os fiscais resolveram estacionar no SBT para conferir a contabilidade. Após uma auditoria exaustiva, não se descobriu nenhuma irregularidade. Em vez de aplicar multa, a Receita terminou por cumprimentá-lo. Em 1990, seu patrimônio era de 4 milhões de dólares. No ano passado, de 46 milhões de dólares. Nem tudo representou, no entanto, um crescimento real. Seus bens, como o de todo brasileiro, foram atualizados em Ufir para efeito de imposto de renda.

Patrimônio: 33 milhões de dólares em 1992. Cresceu 24 milhões de dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 2 milhões de dólares
Imposto pago no ano: 6,6 milhões de dólares



Um ano fraco


O empresário Olavo Egydio Monteiro de Carvalho, presidente do grupo Monteiro Aranha, não contestou os números de sua declaração de renda. Olavo, que recebeu seu patrimônio de herança, tem duas fontes de renda pessoal: salários e, principalmente, dividendos pagos pelas empresas do grupo. Diz que não pagou mais impostos em 1992 porque os negócios não andaram bem. "O grupo não distribuiu dividendos por causa de prejuízos", conta ele. Foi esse também o motivo que fez seu patrimônio encolher. "Fui forçado a vender alguns ativos pessoais", afirma. Monteiro de Carvalho reconhece que deveria pagar mais impostos como pessoa física: "Não posso ser responsabilizado se a legislação brasileira é falha na cobrança de impostos sobre o patrimônio", diz o empresário, dono de um apartamento em Paris, uma casa no sul da França e uma ilha no Rio de Janeiro.

Patrimônio: 36 milhões de dólares em 1992. Caiu 180.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 35.000 dólares
Imposto pago no ano: 72.500 dólares



"Gastei mais"


O empreiteiro Cecílio do Rego Almeida, 64 anos, acumulou números estranhos em seu imposto de renda. Um dos homens mais ricos do país, com um patrimônio pessoal de mais de meio bilhão de dólares, C.R., como gosta de ser chamado, pagou apenas 15.500 dólares de imposto de renda em 1992. A partir desse dado, pode-se deduzir que C.R. passou aquele ano com uma renda mensal de 8.000 dólares. O empreiteiro, dono da Construtora C.R. Almeida, é o primeiro a reconhecer que esses números, que constam da declaração de renda que ele apresentou ao Fisco, não correspondem à realidade. "É óbvio que gastei mais do que isso em 1992. Trabalho há mais de cinqüenta anos e é lógico que acumulei muito dinheiro, que hoje estou gastando", diz.

No ano de 1992, apenas na celebração de seu segundo casamento, com a publicitária ângela Brandão, C.R. pode ter consumido mais dólares do que os que constam em sua declaração de renda. Só entre o aluguel do salão nobre do Hotel Maksoud Plaza, em São Paulo, e o fretamento de um Boeing 737-300 da Vasp para trazer de Curitiba seus convidados, o empreiteiro gastou 20.000 dólares. A conta se completa com a gastança em comes e bebes e com a viagem de lua-de-mel de 35 dias pela Europa.

Patrimônio: 515 milhões de dólares em 1992. Caiu 55.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 8.000 dólares
Imposto pago no ano: 15.500 dólares



Com salário


O empresário Abílio Diniz é dono do grupo Pão de Açúcar, segunda maior rede de supermercados do país, atrás apenas do Carrefour. Faturou 1,5 bilhão de dólares no ano passado. Na lista da Receita, o empresário aparece com um patrimônio de 23 milhões de dólares em 1992 e sua renda, segundo se calcula a partir dos dados tributários, chegou a 55.000 dólares por mês. É um dos poucos empresários do país que vivem do salário da empresa, e não dos dividendos. A desvantagem do salário é que o imposto é maior. Em 1992, Diniz pagou 126.000 dólares ao Fisco. Recebeu 17.000 dólares mensais da empresa, e só alcançou renda de 55.000 dólares através da redução de seu patrimônio, que caiu 230.000 dólares de 1991 para o ano seguinte. Curioso, no caso, é que, aparentemente, Diniz diminuiu seu patrimônio para bancar despesas pessoais corriqueiras.

Com base nas informações da Receita, a Trevisan & Associados aponta duas possibilidades para explicar esse quadro. Ou o empresário queria ficar mais pobre aos olhos do Fisco, ou seus negócios iam tão mal a ponto de não lhe render um salário suficiente para o seu padrão de vida. Em 1992, ano do patrimônio caindo, o empresário manteve-se fiel à elegância. Encomendou, de uma só vez, ao alfaiate Augusto Panzica, que costura para a família há duas décadas, 24 ternos de gabardina, lã e tropical importados, num pacote que lhe custou 28.800 dólares, um pouco mais da metade do salário de um mês. Na semana passada, aficionado por esportes, Diniz estava em Nova York para participar de uma tradicional maratona da cidade.

Patrimônio: 23 milhões de dólares em 1992. Caiu 230.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 55.000 dólares
Imposto pago no ano: 126.000 dólares



Ganhos mágicos


O empresário Wigberto Tartuce, eleito deputado federal por Brasília, ganhou apenas 1.500 dólares mensais em 1992, segundo declarou à Receita. Com uma renda tão minguada, ele mantinha uma casa de 3.000 metros quadrados de área construída e 63 cômodos, no valor de 6 milhões de dólares, com onze carros na garagem: uma Mercedes, duas vans americanas, um Cadillac, um Camaro, uma Lumina, dois Escort, uma picape F-1000 cabine dupla e um buggy. Naquele ano, Tartuce e a família viajaram quatro vezes ao exterior. "É um caso clássico de sonegação", diz Rubens Ribeiro, da Trevisan & Associados. "É óbvio que seus gastos pessoais são lançados como despesas operacionais das suas empresas. Assim, o que é renda vira despesa e não paga imposto."

Patrimônio: 19 milhões de dólares em 1992. Caiu 13.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 2.500 dólares
Imposto pago no ano: 2.100 dólares



De dividendos


O engenheiro Pedro Paulo de Souza, dono da Encol e de uma fortuna pessoal de 230 milhões de dólares, declarou ter recebido em 1992 apenas 3.000 dólares mensais de rendimentos. "Meu pró-labore é pequeno, meus dividendos é que dão suporte às minhas despesas", afirma Pedro Paulo. Com isso, estima-se que sua renda mensal tenha batido em 100 000 dólares. É uma artimanha comum e esperta. Quem recebe salário, ou pró-labore, paga mais imposto do que quem vive de dividendos. Em 1992, Pedro Paulo recebeu da Encol 600.000 dólares em forma de bonificações que, pela lei, são isentas de imposto. Aplicou o dinheiro no mercado financeiro e pagou, sobre o lucro, 510.000 dólares de imposto na fonte.

Patrimônio: 230 milhões de dólares em 1992. Cresceu 250.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 120.000 dólares
Imposto pago no ano: 520.000 dólares



Baixa renda


Dono de 28 empresas, cujo carro-chefe é a Itapemirim, maior companhia de ônibus do país, o capixaba Camilo Cola é discreto. Mora no Espírito Santo, ao lado da empresa. Só viaja a negócios, em seu próprio avião. Pela declaração de renda, descobre-se que o patrimônio de Cola valia 154 milhões de dólares em 1992. O curioso é que ele pagou imposto equivalente a uma renda mensal de 7.000 dólares. "O que ganho invisto na empresa", explica.

Patrimônio: 154 milhões de dólares em 1992. Cresceu 54.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 7.000 dólares
Imposto pago no ano: 26.000 dólares



Ruim no banco


Ângelo Calmon de Sá teve em 1992 um ano ruim para o banqueiro e esplendoroso para o cidadão. Dono do grupo Econômico, Calmon de Sá viu seu patrimônio cair 2.000 dólares - uma insignificância num patrimônio de 93 milhões de dólares. Mas, com base nos dados oficiais da Receita, um tributarista consultado por VEJA calcula que sua renda mensal foi um estrondo, de 150.000 dólares. "Não chegou a tanto", diz o banqueiro, ex-ministro de Fernando Collor. "Aliás, não recebi nada do banco quando fui ministro." A renda pode ter sido essa mesma. Ou então Calmon de Sá seria um raríssimo tipo de contribuinte que paga mais imposto do que deve. Se pagou 420.000 dólares, é porque recebeu 1,7 milhão de dólares. É uma bolada. Mas ele ganhou mais ainda. Em rendimentos livres do imposto, embolsou 590.000 dólares.

Patrimônio: 93 milhões de dólares em 1992. Caiu 2.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 150.000 dólares
Imposto pago no ano: 420.000 dólares



Jogos na bolsa


O advogado carioca Mário Slerca Junior, 59 anos, um famoso jogador das bolsas de valores, recebeu 1.912 dólares de salário mensal durante 1992, segundo dados da Receita Federal. Sobre eles pagou, no ano todo, 600 dólares de imposto - menos do que um professor de 2º grau. Ocorre que Slerca possui um patrimônio declarado de 20 milhões de dólares e pagou 1,8 milhão de dólares de imposto sobre ganhos obtidos na bolsa de valores. Por lei, esse imposto é de 25%. Ou seja, em 1992, Slerca ganhou, já descontado o imposto, 5,4 milhões de dólares. Mas na declaração de renda seu patrimônio aumentou somente 170.000 dólares. Onde foi parar o resto do dinheiro? Existem duas hipóteses: ou Slerca torrou 5 milhões de dólares em despesas pessoais ou mandou tudo para fora do país.

Patrimônio: 20 milhões de dólares em 1992. Cresceu 170.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 450.000 dólares
Imposto pago no ano: 1,8 milhão de dólares



Maus negócios


O engenheiro Carlos Fernando Carvalho, 70 anos, tem uma fortuna pessoal de 520 milhões de dólares, mas em 1993 pagou apenas 45.000 dólares de imposto. "E paguei muito", diz ele. "Meu patrimônio está em ações de minhas empresas imobiliárias, que têm tido prejuízos desde 1989." Pelos dados da Receita, seu patrimônio diminuiu 490.000 dólares. "Redução do patrimônio é um sinal de que algum bem foi vendido", diz o consultor da Trevisan. "Esse dinheiro não aparece para o Fisco."

Patrimônio: 520 milhões de dólares em 1992. Caiu 490.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 55.000 dólares
Imposto pago no ano: 45.000 dólares



Vida confortável


O empreiteiro Walduck Wanderley é dono da construtora Cowan, com sede em Minas Gerais, empresa que fatura 156 milhões de dólares por ano. Em 1992, Walduck recebeu 1.500 dólares por administrar a empresa. Foi tão pouco que ficou isento de pagar imposto na declaração. Mas o empreiteiro viveu com uma renda mensal de 190.000 dólares, derivada de seu patrimônio, de 117 milhões de dólares, e de suas aplicações no mercado financeiro e de ações. Por esses investimentos, pagou 840.000 dólares de imposto na fonte. Segundo técnicos da Trevisan & Associados, o empreiteiro está tecnicamente em dia com o Fisco.

Walduck vive muito bem. Tem duas filhas, é separado da mulher há dez anos e mora num apartamento de 4.000 metros quadrados em Belo Horizonte, com quadra de esportes, sauna e piscina térmica. Há três meses ele quase demoliu o apartamento, que vale 600.000 dólares, para uma reforma. Entre outras coisas, montou um bar e transformou um dos quartos num enorme banheiro, com piso de mármore italiano. Quando viaja, usa um dos jatinhos de sua empresa de táxi aéreo.

Ficaram célebres em Belo Horizonte as festas de casamento de suas filhas. Em junho de 1991, no casamento da filha mais velha, Ana Cristina, Walduck mandou construir uma capela de 800 metros quadrados e recheou a igrejinha com orquídeas. Estima-se que ele gastou no mínimo 150.000 dólares nessa festa. Ou seja, quase todo o rendimento de um mês.

Patrimônio: 117 milhões de dólares em 1992. Cresceu 200.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 200.000 dólares
Imposto pago no ano: 840.000 dólares



O irmão pobre


Senador pelo Amapá em fim de mandato, Henrique Rego Almeida é irmão de Cecílio do Rego Almeida e sócio dele na construtora C.R. Almeida. Na empresa, Cecílio tem 51% das ações e Henrique, 26%. Seu patrimônio também é menor: 215 milhões de dólares, enquanto o irmão tem 515 milhões. Os dados da Receita mostram que Henrique declarou uma renda de apenas 10.000 dólares mensais em 1992 - pequena se confrontada com seu patrimônio. Ainda mais se sabendo que, como senador, ele recebia um salário de pelo menos 3.000 dólares por mês, livres de impostos. Henrique vive numa casa com quadra de esportes e piscina, no requintado bairro de Champagnat, em Curitiba, avaliada em 1,5 milhão de dólares.

Patrimônio: 215 milhões de dólares em 1992. Caiu 43.000 dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 10.000 dólares
Imposto pago no ano: 14.000 dólares



O pequenino


O empresário capixaba e senador da República Jonice Siqueira Tristão comanda um grupo de empresas com sede em Nova York, uma indústria de torrefação em Vitória, Espírito Santo, e uma empresa de exportação do café solúvel Realcafé. Em 1992, seu patrimônio pessoal era de 36 milhões de dólares. Segundo cálculos feitos para VEJA pela Trevisan & Associados, sua renda mensal foi de 150.000 dólares em 1992. Esse dinheiro lhe permite cruzar as ruas do Rio de Janeiro a bordo de um Mercedão e pedir aos amigos da Varig que o abasteçam de caviar londrino. Vai tanto ao exterior que desde janeiro já ficou afastado do Senado por 97 dias. Na semana passada, estava no Japão. Tristão é um grandalhão nos negócios, mas pequenino na hora de pagar impostos. Segundo dados oficiais da Receita, como pessoa física, Tristão pagou apenas 17.300 dólares ao Leão.

Patrimônio: 36 milhões de dólares em 1992. Caiu 1,6 milhão de dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 150.000 dólares
Imposto pago no ano: 17.300 dólares



Atrás do lucro


O empresário Mário Bussab, 77 anos, concorre simultaneamente aos troféus de o maior ganhador e o maior gastador do mundo. Segundo os dados da Receita Federal, analisados por três consultores tributários, seu rendimento líquido em 1992 foi de nada menos que 725 milhões de dólares. Nesse ano, Mário Bussab vendeu a empresa Casas Buri, que fundou em 1947, para a rede Ponto Frio. Isto justifica a renda tão alta. O problema é que ele também declarou ter aumentado seu patrimônio pessoal naquele ano em 2,5 milhões de dólares, o equivalente a apenas 0,3% dos rendimentos. Onde foi parar o resto? "É a declaração mais estranha que já vi. Talvez ele tenha zerado o caixa, transformado tudo em dividendos e incorporado a seu patrimônio como bonificação", acredita Rubens Ribeiro, da Trevisan & Associados.

Patrimônio: 316 milhões de dólares em 1992. Cresceu 2,5 milhões de dólares em relação ao ano anterior
Renda mensal estimada: 60 milhões de dólares
Imposto pago no ano: 3,1 milhões de dólares

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